domingo, 18 de dezembro de 2011

escritura automática vii

as pessoas têm intenções, e elas têm cada vez mais intenções de significar as mesmas estranhas vontades que vieram alimentando durante longos anos de insensível gentileza para com aqueles que se encontram todos os dias, mesmo sem o saber. há uma estranha reincidência no mundo. penso nas cidades. lá onde trafegamos, que é esse o verbo correto: trafegar. uma vez encontrei-me parado no meio da rua (sorte a minha era madrugada, com o que se supõe sem muito esforço ausência de veículos automotores, o que pode tranqüilamente ser flagrada como conclusão contradizente, já que com alguns retoques e uma original constelação de subconceitos, ou supracitados malabarismos, ninguém recusaria a idéia de que somos, nós que andamos, também veículos automotores. só o fato, ou talvez não tão factual, mas certamente assim entendido por propagandas televisivas e reclames de rádio (que existem ainda!), e por todas aquelas que os acompanham religiosamente, como um repuxo, um refúgio concedido à explosão sentimental calculada semanalmente durante as novelas - dizia do fato opiniântico de que as pessoas se revelam como verdadeiramente são quando no interior de veículos automotores. ora, se considerarmos a novíssima resignificação do termo técnico, as pessoas se revelam verdadeiramente como são no interior de si próprias. só pra constatarmos a inevitabilidade dessa divagação: a afirmação de um escamoteio que porventura se engasga em uma revelação - filho de uma puta, não vê por onde anda? barbeiro! - precisa da interioridade que a contém), como por exemplo esses parênteses que finalmente foram fechados. uma casa tem portas, também o carro - nosso veículo automotorizado de todo santo dia - tem portas. e por quê? obviamente, se existe um interior, se é tao irreversível que se defenda a alma, contanto que tenha estofado de couro e tocador de emepetrêis, então que tenha portas, e que permaneçam fechadas. nessa altura, que é tão baixa ainda, as andorinhas clamam por um pio a mais.

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